Há 87 anos, Lampião morria em Angico

Na madrugada de 28 de julho de 1938, o sertão nordestino foi palco de um dos episódios mais emblemáticos da história brasileira: a morte de Virgulino Ferreira da Silva, o temido e lendário Lampião. Ele, Maria Bonita e nove cangaceiros de seu bando foram mortos em uma emboscada organizada pelas volantes — grupos policiais especialmente criados para combater o cangaço — na Grota de Angico, nas margens do Rio São Francisco, no município de Poço Redondo, em Sergipe.

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A operação foi comandada por soldados da força volante de Alagoas, sob as ordens do tenente João Bezerra e com apoio do soldado Panta, que conhecia bem os caminhos do cangaço. Com informações sigilosas passadas por coiteiros (colaboradores infiltrados), os soldados cercaram o acampamento ao amanhecer. Lampião e seu grupo, pegos de surpresa, não tiveram chance de reação. A emboscada durou cerca de 15 minutos e o tiroteio foi intenso, mas rápido.

A decapitação dos corpos

O impacto das mortes foi imediato e brutal. Os corpos foram decapitados no local, e as cabeças levadas como troféus até Piranhas (AL), onde foram exibidas à população. O objetivo era provar ao país — e aos próprios sertanejos — que o cangaço estava de fato enfraquecido. O governo de Getúlio Vargas, que buscava a pacificação do sertão, considerou a ação um triunfo da ordem sobre o banditismo.

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Maria Bonita, companheira de Lampião e primeira mulher oficialmente integrada a um grupo de cangaceiros, também teve o mesmo destino. Há controvérsias sobre se ela foi morta no tiroteio ou se ainda viva, teria sido executada posteriormente. Alguns relatos indicam que ela foi decapitada ainda com vida, fato que, se verdadeiro, torna seu fim ainda mais trágico.

Os corpos dos cangaceiros só foram sepultados décadas depois. As cabeças permaneceram por anos expostas em Salvador, na Faculdade de Medicina da Bahia, como objetos de estudo antropológico e criminal. Em 1969, após pressão popular e ação de familiares, os restos mortais foram enfim enterrados no Cemitério Quinta dos Lázaros, encerrando um longo capítulo de exposição pública.

Fim de Lampião, fim do cangaço

A emboscada de Angico marcou o início do fim do cangaço. Após a morte de Lampião, muitos bandos se dispersaram ou foram eliminados. O último grande cangaceiro a ser morto foi Corisco, em 1940. Sem sua liderança carismática e estratégica, o movimento perdeu força e desapareceu como fenômeno social e político.

Curiosamente, Lampião mantinha contato com políticos influentes e recebia armamentos sofisticados, o que alimenta teorias de conivência e manipulação dos poderes da época. Há indícios de que sua atuação era tolerada em certas regiões enquanto fosse útil. A emboscada, nesse sentido, também pode ter servido a interesses políticos para eliminar uma figura que já não era mais conveniente.

O legado de Lampião permanece controverso: para uns, um criminoso brutal; para outros, um rebelde que enfrentou as elites e o abandono do sertão. Sua morte em Angico, em 1938, não selou apenas o fim de um homem, mas simbolizou a extinção de um Brasil profundo, rebelde e esquecido, que encontrou no cangaço sua forma de expressão mais radical.